Archive for the ‘Tati Bernardi’ Category
O teatro da moça banal
Posted in Tati Bernardi on dezembro 9, 2008| 1 Comment »
Olho pela sacada da minha casa e vejo você chegando. Corro para o enorme espelho do meu quarto e repito em mantra: eu não gosto dele, eu não gosto dele, eu não gosto dele.
Mais uma de amor pra quem não ama
Posted in Tati Bernardi on dezembro 9, 2008| Leave a Comment »
Ele me espera no restaurante das árvores. Diz que até o garçom já sabe que eu sou como sou, de tanto que ele não tem outro assunto. Ele me espera, pede mais pãezinhos, ensaia um bom vinho para mim, limpa o suor da cara no guardanapo. E vai esperar por toda a noite.
Mal sabe ele que acabo de responder a uma mensagem de texto dizendo que vou chegar em minutos. Ele me espera com a porta do banheiro aberta, enquanto esfrega seu centro num ato de pureza. Ele quer sacanagem comigo, mas daquele tipo de sacanagem pura com direito a perguntar baixinho “tá doendo”?
Não muito longe dali ele se prepara para sair com os amigos, seus amigos tão deliciosos quanto ele. Passa o mesmo perfume que eu, mas na versão masculina. Seu charme está em ter transformado a sua dor em ironia. Adoro pessoas sofridas. Adoro o ódio medroso e óbvio das pessoas sofridas. Talvez amanhã a gente possa se odiar juntos, num ato de sinceridade livre e animal perante tantos amores pálidos pela cidade corretinha. A cidade corretinha que faz bodas disso e bodas daquilo, mas se entope da porra do Prozac, mas se entope da porra do canal de sexo com aquelas mulheres de sobrancelha desenhada. Mas se entope da porra da opinião dos outros sobre o que é ter chegado lá. Ninguém chega a porra de lugar nenhum.
Mas eu chego, e estaciono meu carro lá dentro, como se fosse dona do pedaço. Ao menos por algumas horas eu serei dona de um pedaço que agora é esfregado no banho em mais um ato de pureza. A sacanagem óbvia é muito mais pura que o ódio envergonhado das bodas disso e das bodas daquilo.
Ele pede a conta e vai embora. Jantou sozinho, o coitado. Se tenho pena? Nenhuma. Nenhuma. Cavoco meu ser até quase me virar do avesso para resgatar um pouco de bonitinho em minha alma, mas descubro que não tenho nenhuma pena dele. Não gosto de quem não amo e ponto final.
Ele encontra os amigos deliciosos e vai ganhar a noite. Se perde muito para tal. Mas ganha alguma coisa sim, sempre se ganha alguma coisa. Talvez uma rinite alérgica ou um buraco no peito. Mas sempre se ganha alguma coisa na noite.
Eu espero comportada do lado de fora enquanto ele termina de se esfregar. Sei da bucha porque sua pele chega quente e vermelha. Tenho vontade de colar minhas veias na dele para que meu sangue ganhe aquele mesmo movimento. Desde que ele me contou numa noite besta que queria salvar o mundo e isso não me soou mais um papinho furado sobre salvar o mundo, fiquei assim. Tenho vontade que meu sangue e o dele passeiem juntos.
Nós vamos mais uma vez nos olhar querendo transar até amanhã, mas vamos apenas assistir à novela e tentar adivinhar as falas. Nós vamos mais uma vez querer atravessar as ruas de mãos dadas, mas vamos brincar de dar ombradas um no outro. Eu prefiro morrer sua amiga do que quebrar algum elo misterioso e te perder para sempre. Te perder como sempre.
Ele escuta uma dessas músicas da modinha ao estilo Madeleine Peyroux antes de dormir e tenta entender qual é o meu problema. Será que eu não fui porque ainda sofro por aquele amor mal resolvido? Será que eu não fui porque tenho medo do amor? Será que eu não fui porque tenho medo de sofrer? Ahhh, os homens apaixonados. Ainda mais burros que as mulheres que acreditam na dor irônica. Eu não fui apenas por uma razão: eu não gosto de quem eu não amo e fim de papo.
Tiro o carro da garagem dele e corro para encontrar o outro e seus amigos deliciosos. Ele tem braço de estivador e tem um buraco entre o começo da perna e o fim do tronco. Coisa de homem sarado. Só não digo que ele parece o Bob da Barbie porque esse era eunuco e vivia rindo. Se bem que ele vive rindo e ri tanto que não parece ter centro. Parece eunuco.
Adoro sua virilha, sou obcecada por ela. Adoro seus amigos fortes. Adoro tudo o que dói nele, como diria aquela fala do filme “Closer” que eu adoro. Adoro que posso encontrá-lo sempre depois das três da manhã, sempre depois dos jantares que eu não vou e das transas que eu não faço. Adoro que posso morrer por ele ou nem lembrar que ele existe. Amor de pica é assim mesmo: o maior e o mais leviano de todos.
Ele acabou de me descobrir pela Internet e dorme tentando me encontrar, tentando me encaixar. Sente uma pontada no peito e uma pontada lá embaixo. Deve ser engraçado ser homem e amar assim de maneiras tão opostas e complementares. Ele não sabe que tudo o que eu mais quero é casar e ser mãe de um casalzinho que dança pelado antes do banho. Mas esse meu querer está esquecido em algum canto de mim, está esquecido depois de tanto eu querer isso e a vida me dizer que eu ainda não podia.
Ganhei a porra da dor irônica. Ainda que seja estupidez acreditar nela. Agora o que eu quero é saber que o outro se esfrega no banho, que o outro se fode no restaurante, que o outro me espera sempre depois das três e tem amigos deliciosos. Que o outro é especial demais, mas talvez ainda não seja o personagem principal daquela festa de final de novela, com todos os personagens de bem.
Está acabando a história, mas ainda dá tempo de não amar mais um pouquinho. Mando uma mensagem para ele, que a essa altura dorme abraçado a uma menina que já encheu o saco, achando que encontrou a mulher da vida. Mando uma mensagem para ele, que a essa altura dorme demais como sempre e já deve ter me esquecido, mesmo lembrando de mim em todos os intervalos de coisa melhor pra pensar. Mando uma mensagem para ele, ainda que ele já tenha desistido do amor e prefira o cheiro de chiclete com chulé da nuca da sua filha.
Durmo com mais de trinta homens, e mais uma vez sozinha. Mas esse texto, juro, é uma comemoração a isso. No fundo, no fundo, eu gosto. Ainda que eu me sacaneie com pureza e me pergunte baixinho: tá doendo?
TATI BERNARDI
Sou…
Posted in Tati Bernardi on outubro 31, 2008| 1 Comment »
Pensando sobre o meu eu lírico, encontrei nas palavras da Tati um resumo da minha definição:
“Sou pessoa de dentro pra fora.
Minha beleza está na minha essência e no meu caráter. Acredito em sonhos, não em utopia. Mas quando sonho, sonho alto.
Estou aqui é pra viver, cair, aprender, levantar e seguir em frente.
Sou isso hoje… Amanhã, já me reinventei.
Reinvento-me sempre que a vida pede um pouco mais de mim.
Sou complexa, sou mistura, sou mulher com cara de menina… E vice-versa.
Me perco, me procuro e me acho. E quando necessário, enlouqueço e deixo rolar…
Não me dôo pela metade, não sou tua meio amiga nem teu quase amor. Ou sou tudo ou sou nada. Não suporto meio termos.
Sou boba, mas não sou burra. Ingênua, mas não santa.
Sou pessoa de riso fácil…e choro também!”
O contrato
Posted in Tati Bernardi on outubro 5, 2008| Leave a Comment »
Combinamos que não era amor. Escapou ali um abraço no meio do escuro. Mas aquilo ali foi sono, não sei o que foi aquilo. Foi a inércia do amor que está no ar mas não necessariamente dentro de nós.
A gente foi ao cinema, coisa que namorados fazem. Mas amigos fazem também, não? Somos amigos. Escapou ali um beijo na orelha e uma mão que quis esquentar a outra. Mas a gente correu pra fazer piadinha sexual disso, como sempre. E a orelha ouviu uma sacanagem qualquer, e a mão se encaixou ali no meio das minhas pernas.
Você me chamou de amor ontem, enquanto a gente transava. Eu quis chorar. Mas também quis rir muito da sua cara. Acabei só esquecendo isso. Talvez o “mô” que você murmurou, seja porque no dia anterior, naquela mesma cama, você tenha comido alguma “Mônica”. Prefiro pensar assim. Se eu for muito, mas muito escrota, talvez eu me proteja de me assustar muito. Caso você seja escroto. Eu sendo de pedra não quebro com a sua pedra. Sei lá.
Aí teve aquela cena também. De quando eu fui te dar tchau só com a manta branca e o cabelo todo bagunçado. E você olhou do elevador e me perguntou: não to esquecendo nada? E eu quis gritar: tá, tá esquecendo de mim. E você depois perguntou: não tem nada meu aí? E eu quis gritar: tem, tem eu. Eu sempre fui sua. Eu já era sua antes mesmo de saber que você um dia não ia me querer.
Mas a gente combinou que não era amor. Você abriu minha água com gás predileta e meu sabonete de manteiga de cacau. E fuçou todas as minhas gavetas enquanto eu tomava banho. E cheirou meu travesseiro pra saber se ainda tinha seu cheiro. Ou pra tentar lembrar meu cheiro e ver se ele ainda te deixa sem vontade de ir embora. Mas ainda assim, não somos íntimos. Nada disso. Só estamos aqui, reunidos nesse momento, porque temos duas coisas muito simples em comum: nada melhor pra fazer e vontade de fazer sexo.
Só isso. É o que está no contrato. E eu assino embaixo. Melhor assim. Muito melhor assim. Tô super bem com tudo isso. Nossa, nunca estive melhor. Mas não faz isso. Não me olha assim e diz que vai refazer o contrato. Não faz o mundo inteiro brilhar mais porque você é bobo. Não faz o mundo inteiro ficar pequeno só porque o seu chapéu é muito legal. Não deixa eu assim, deslizando pelas paredes do chuveiro de tanto rir porque seu cabelo fica ridículo molhado. Não faz a piada do vampiro só porque você achou que eu estava em dias estranhos. Não transforma assim o mundo em um lugar mais fácil e melhor de se viver. Não faz eu ser assim tão absurdamente feliz só porque eu tenho certeza absoluta que nenhum segundo ao seu lado é por acaso.
Combinamos que não era amor e realmente não é. Mas esse algo que é, é realmente muito libertador. Porque quando você está aqui, ou até mesmo na sua ausência, o resto todo vira uma grande comédia. E aquele cara mais novo, e aquele outro mais velho, e aquele outro que escreve, e aquele outro que faz filme, e aquele outro divertido, e aquele outro da festa, e aquele outro amigo daquele outro. E todos aqueles outros viram formiguinhas de nariz vermelho. E eu tenho vontade de ligar pra todos eles e falar: putz, cara, e você acha mesmo que eu gostei de você? Coitado.
Adoro como o mundo fica coitado, fica quase, fica de mentira, quando não é você. Porque esses coitados todos só serviram pra me lembrar o quão sagrado é não querer tomar banho depois. O quão sagrado é ser absurdamente feliz mesmo sabendo a dor que vem depois. O quão sagrado é ver pureza em tudo o que você faz, ainda que você faça tudo sendo um grande safado. O quão sagrado é abrir mão de evoluir só porque andar pra trás é poder cruzar com você de novo.
Não é amor não. É mais que isso, é mais que amor. Porque pra te amar mais, eu tenho que te amar menos. Porque pra morrer de amor por você, eu tive que não morrer. Porque pra ter você por perto um pouco, eu tive que não querer mais ter você por perto pra sempre.
E eu soquei meu coração até ele diminuir. Só pra você nunca se assustar com o tamanho. E eu tive que me fantasiar de puta, só pra ter você aqui dentro sem medo. Medo de destruir mais uma vez esse amor tão santo, tão virgem. E eu vou continuar me fantasiando de não amor, só pra você poder me vestir e sair por aí com sua casca de não amor.
E eu vou rir quando você me contar das suas meninas, e eu vou continuar dizendo “bonito carro, boa balada, boa idéia, bonita cor, bonito sapato”. E eu vou continuar sendo só daqui pra fora. Porque no nosso contrato, tomamos cuidado em escrever com letras maiúsculas: não existe ninguém aqui dentro.
Mas quando, de vez em quando, o seu ninguém colocar ali, meio sem querer, a mão no meu joelho, só para me enganar que você é meu dono. Só para enganar o cara da mesa ao lado que você é meu dono. Eu vou deixar. Vai que um dia você acredita.
TATI BERNARDI
ESTAR SOZINHO
Posted in Tati Bernardi on setembro 8, 2008| 1 Comment »
Estar sozinho é engraçado, louco, angustiante, libertário e triste,
tal qual estar com alguém.
No entanto, estar sozinho é absolutamente o oposto de estar com alguém.
Estar sozinho é fechar as mãos no nada quando se atravessa a rua correndo e não se tem uma mão para segurar.
É acordar sem saber o que será do dia porque planejar sozinho dá preguiça
A vida simplesmente acontece para quem está sozinho, às vezes sem que a gente perceba, pois é mais fácil ter noção de si mesmo através de outra pessoa.
É o doce que substitui mal e amargamente o sexo.
Estar sozinho, ou estar sozinha, pode acontecer com qualquer um.
E você torce para que aconteça com a sua melhor amiga, ou com aquele homem que você gostaria de experimentar como uma pílula para a sua solidão.
Estar sozinha é não suportar ouvir a palavra solidão porque ela faz sentido.
É conferir a caixa de e-mails com uma freqüência que beira a compulsão.
É chorar do nada. É acordar do nada. É morrer de medo do nada que fica no estômago.
Estar sozinho é uma coisa física, ou melhor, é a falta dela.
Você se sente oco por dentro, por isso aquele respiro profundo de lamentação.
Quando chove, venta, escurece, e você está sozinho, você lembra de Deus
e do quanto é pequeno.
Estar sozinho é detestar ficar em casa.
Ficar em casa sozinho, quando se está sozinho, é muita solidão.
É estar pronta para algo novo e não agüentar mais dias iguais.
É ocupar a vida dos outros com reclamações, lamentações, dúvidas e carências.
Resumindo:
estar sozinho é triste, enche o saco dos outros e deve fazer mal para a saúde.
estar sozinho é triste, enche o saco dos outros e deve fazer mal para a saúde.
Dar não é fazer amor
Posted in Tati Bernardi on agosto 19, 2008| Leave a Comment »